AS 5 MELHORES HQS QUE EU LI EM 2017
O leitor brasileiro de quadrinhos não tem do que reclamar. Há tantos títulos disponíveis que até fica complicado (e oneroso) acompanhar tudo. Mesmo assim, com promoções de lojas virtuais, algumas coisas interessantes ainda nas bancas e novas ferramentas digitais, é possível acompanhar muita coisa da produção nacional e gringa. O Social Comics, uma espécie de Netflix de quadrinhos, firma-se como o meio com melhor custo-benefício para ler os quadrinistas brasileiros independentes. Faz tempo que muitos deles não devem nada aos artistas de fora no talento das ilustrações e na criatividade dos roteiros. O Catarse se tornou outra poderosa ferramenta para o autor independente chegar aos leitores. Também devemos aplaudir de pé o trabalho de editoras pequenas, como Mino, Veneta e Zarabatana. E há de se reconhecer que gigantes, como a Panini, trouxeram para o nosso mercado títulos novos e clássicos que o fã brasileiro já merecia ter na sua coleção. Continuo lendo DC e Marvel, porém cada vez mais procuro quadrinhos de super-heróis com propostas diferentes, o que você encontra na Image, Dark Horse e Valiant, por exemplo. As cinco HQs escolhidas por mim como as melhores de 2017 são aquelas que mais me causaram impacto este ano ao mostrar o cotidiano, o realismo, o fantástico, o já conhecido de maneiras nada convencionais.
5) Hitomi
O charme dessa HQ nacional é sua simplicidade. Acompanhamos o cotidiano conturbado emocionalmente da garotinha Hitomi, numa pequena cidade do Japão, nos anos 80. A relação com a mãe é difícil e o pai está sempre ausente. O contraste entre o drama e a leveza das ilustrações e cores de George Schall cria uma atmosfera curiosa, como se pudéssemos ver o cotidiano sob um novo olhar, com mais atenção. O roteiro de Ricardo Hirsch privilegia o silêncio, dando mais peso à solidão e ao isolamento de Hitomi. A partir do instante em que nossa protagonista encontra uma câmera e sai por aí tirando fotos, ela partirá para uma insólita jornada de amadurecimento.
4) Black Hammer volume 1 – Secret Origins
Essa HQ de super-heróis é uma ótima surpresa. Alia o visual da Era de Ouro dos quadrinhos, entre os anos 30 e 50, com um roteiro bem contemporâneo, criando uma atmosfera estranha e divertida. Temos um grupo de heróis aposentados, vivendo como uma família disfuncional, num fazenda no meio do nada. Seus dias de glória se foram e agora eles precisam aprender a lidar com as coisas banais da vida, num tipo de exílio forçado. Suas histórias de origem, ao mesmo tempo, tiram um sarro e fazem homenagem a heróis icônicos da Marvel e DC. O roteiro de Jeff Lemire consegue um ótimo equilíbrio entre o humor e o drama, com reviravoltas intrigantes. A arte de Dean Ormston e as cores de Dave Stewart captam bem o clima de ficção científica das antigas. Black Hammer é uma HQ melancólica, mas engraçada, com seus momentos de pura bizarrice.
3) Nijigahara Holograph
Em Nijigahara Holograph, temos uma luta feroz, entre manter ou perder a sanidade. Aqui o mangaká Inio Asano leva o leitor a uma jornada, ao mesmo tempo, bela e desumana, num tom muito mais sombrio do que em seus trabalhos anteriores. É como se David Lynch tivesse resolvido fazer um mangá, pegando o cotidiano, banal e repetitivo, e o virando pelo avesso, expondo os demônios que carregamos dentro de nós. Há uma alternância entre imagens e sentimentos harmoniosos com cenas de pura violência e degradação. Parece que a todo momento Asano faz sempre a mesma pergunta: como pode haver tanta beleza e brutalidade no mundo? Os personagens de Nijigahara Holograph ou são vítimas, ou algozes. Às vezes, ambas as coisas. Os jovens angustiados de suas outras obras estão lá. Mas agora tudo é bem mais sinistro.
2) Bulldogma
O potiguar Wagner Willian se estabelece como um dos grandes nomes dos quadrinhos nacionais com essa obra-prima. Uma graphic novel de 320 páginas, cheia de bizarrices e reflexões sobre a existência e o Universo. À medida que acompanhamos o cotidiano da protagonista, a ilustradora Deisy Mantovani, percebemos como sua vida fica cada vez complicada, entre frustrações profissionais, indefinições amorosas, procrastinação, erros, roubadas, papos, baladas, cachaça, sexo, numa São Paulo efervescente. Para piorar, ela começa a ver coisas que não fazem sentido, acontecimentos estranhíssimos, ligados ao apartamento onde mora. O lugar faz parte da lenda urbana local, envolvendo abduções alienígenas. Aos poucos, Deisy entra numa espiral de paranoia, que vai aumentando, misturando pesadelo e realidade. Bulldogma é uma HQ imprevisível. O estilo da arte varia, tornando-se impressionista, realista, cartunesco, de acordo com o momento da protagonista, na sua maneira de lidar com os outros e consigo mesma. Existe uma trama, mas o que importa mesmo é a atmosfera, os elementos que a compõe. O suspense avança, com surpresas e reviravoltas bem loucas. Bulldogma é uma visceral homenagem ao cinema, à literatura e aos próprios quadrinhos, uma reflexão alucinada sobre a arte de narrar.
1) Lobo Solitário volumes 1-5
A maneira mais empolgante de conhecer a história do Japão feudal é lendo o clássico Lobo Solitário, publicado originalmente em revista, na década de 70. As aventuras do estoico ronin Itto Ogami e de seu nem sempre inocente filhinho Daigoro são, ao mesmo tempo, belas e brutais. O roteiro de Kazuo Koike tem soluções narrativas ora sutis, ora de grande força, além da extensa pesquisa sobre o período Edo (1603-1868), o auge do xogunato, uma espécie de ditadura militar. Em Lobo Solitário, a visão de mundo é aparentemente amarga, mas, no fundo, há um senso de justiça. Itto Ogami é um anti-herói à maneira dos cowboys interpretados por Clint Eastwood. Um canalha na superfície, mas com uma ética que procura fazer o certo. A arte de Goseki Kojima transforma todo esse contexto em imagens de um realismo e de uma fluidez cinematográficos. Lobo Solitário (que, na verdade, é um título inadequado para o contexto da HQ) tem um histórico de publicação complicado no Brasil, saindo no passado por várias editoras, em edições incompletas. Mas, em 2017, a Panini começou a republicar o título, direto da versão japonesa. Até agora foram lançado cinco volumes. Lobo Solitário é uma saga obrigatória para fãs de quadrinhos. E, para o público em geral, é uma leitura instrutiva e cheia de emoção.