DEUSES BRASILEIROS… OU QUASE

Capa-PREMIO

O site Mitografias é um dos mais completos portais sobre mitologias à disposição. Lá você encontra podcasts, resenhas, artigos, trabalhos acadêmicos e outros conteúdos sobre vários aspectos das mitologias ao longo da História. Destaque para o folclore brasileiro. A literatura fantástica ganha bastante espaço no site. Inclusive há a publicação de uma coletânea anual de contos. O edital de submissões da 2ª edição está aberto.

No primeiro volume, vencedor do Prêmio Le Blanc, a coletânea teve como tema mitos modernos. São 14 contos em que diversos mitos ganham uma abordagem contemporânea. Sem dúvida, foi um dos melhores lançamentos de 2017, no Brasil. Uma iniciativa independente e gratuita que não deve nada para o que foi publicado comercialmente no ano passado.

Mitos Modernos é uma bela amostra do que a literatura fantástica nacional é capaz de produzir. Não há nenhuma história ruim na coletânea. Mas algumas se destacam pela criatividade narrativa e tratamento dos temas levantados. Estes são meus contos preferidos:

Calada, de Isa Prospero. Texto fluido e elegante, conduzindo bem uma mistura de fantasia urbana e trama policial. A cativante protagonista tem potencial para novas histórias.

Mãe de Fogo, de Bruno Leandro. O clima é de Harry Potter, mas com um toque original e uma maturidade acima da média. Material promissor para uma obra juvenil de maior fôlego.

Sinfonia da saudade, de Jana P. Bianchi. Este conto por pouco não se tornou o meu n°1. Inspirado na cultura árabe, e tendo um djin como protagonista, acompanhamos uma poderosa história sobre migrações e adaptação. Tocante.

Sem cabeça, de Andriolli Costa. O conto mais redondo do livro. Impressiona a habilidade do autor em combinar folclore nacional com questões contemporâneas. Forma e conteúdo casam perfeitamente. Diverte o leitor e faz pensar.

O voo das deusas-pássaro, de Ana Lúcia Merege. A grande mestra da literatura fantástica nacional nos brinda mais uma vez com um generoso conto envolvendo História e invenção.

A proclamadora, de Alessandra Bacelar. O conto que mais chutou o balde, o mais diferentão. Sem nenhuma preocupação com classificações ou rótulos, o texto experimenta sua narrativa e intriga o leitor.

Intermitências, de Michel Peres. O conto com a estrutura mais inventiva da coletânea. Mitologia e realidade se confundem durante partidas de um game on line. Cada vez mais, o protagonista se enreda numa trama cheia de fascínio e desespero.

Mitos Modernos, vários autores, 205 págs., site Mitografias.

AVALIAÇÃO: RUIM, REGULAR, BOM , MUITO BOM, EXCELENTE.

 

RAY BRADBURY (POEMA FANTÁSTICO 2)

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Ray Bradbury

Eu queria escrever uns versos para Ray Bradbury,
o primeiro que, depois da infância, conseguiu encantar-me
com suas histórias mágicas
como no tempo em que acreditávamos no Menino Jesus
que vinha deixar presentes de Natal em nossos sapatos
empoeirados de meninos
e nada tinha a ver com a impenetrável Santíssima Trindade.
Era no tempo das verdadeiras princesas,
nossas belíssimas primeiras namoradas
– não essas que saem periodicamente nos jornais.
Era no tempo dos reis verdadeiramente heráldicos como os
das cartas de jogar
e do bravo São Jorge, com seu cavalo branco, sua lança e seu dragão.
Era no tempo em que o cavaleiro Dom Quixote
realmente lutava com gigantes,
os quais se disfarçavam em moinhos de vento.
Todo esse encantamento de uma idade perdida
Ray Bradbury o transportou para a Idade Estelar
e os nossos antigos balõezinhos de cor
agora são mundos pairando no ar.
Depois de tantos anos de cínico materialismo
Ray Bradbury é nossa segunda vovozinha velha
que nos vai desfiando suas histórias à beira do abismo
– e nos enche de susto, esperança e amor.

(Mário Quintana)

5ª ODISSEIA DE LITERATURA FANTÁSTICA

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Vou participar da 5ª Odisseia de Literatura Fantástica. Farei parte de uma mesa incrível junto com Nikelen WitterAndriolli Costa e Lauro Kociuba sobre orixás e o folclore brasileiro em nossa literatura. Não sou um especialista, mas um apaixonado. Um ateu interessado em religiões e mitologias, porque esta é uma maneira de entender o outro e não rejeitá-lo. O tema é rico e polêmico. O que é folclore, mito e religião? Quando há homenagem à cultura alheia? Quando há desrespeito? Tenho certeza de que o papo será muito bacana. Vejam toda a programação clicando na imagem. Haverá palestras, oficinas, expositores e muito mais. Quem estiver em Porto Alegre (RS) entre os dias 08 a 10 de junho dê um pulo no Centro Cultural Érico Veríssimo. Venha fazer parte dessa celebração da litfan nacional. Entrada franca.

PODCAST PERDIDOS NA ESTANTE

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O Leitor Cabuloso é um site, praticamente um portal, bastante conhecido no fandom. Há uma grande variedade de conteúdo com destaque para o Cabulosocast/Perdidos na Estante, um podcast que faz abordagens críticas e aprofundadas de vários assuntos envolvendo a cultura pop. Tive a honra de participar da edição nº17 com o tema Antologias Literárias. A produtora e apresentadora Domenica Mendes bateu um papo com um turma muito bacana do fantástico nacional. Falamos sobre os bastidores da edição de uma coletânea, a realidade do mercado e algumas polêmicas. Para conferir o programa, é só clicar na imagem.

THE PLAYER OF GAMES, UMA UTOPIA NA PRÁTICA

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The Culture é uma série de ficção científica escrita pelo precocemente falecido Ian M. Banks. Na verdade, são livros independentes (com alguns pontos de ligação) dentro de um mesmo universo. The Culture é uma sociedade no futuro, numa galáxia distante, em que humanos aprimorados e inteligências artificiais convivem em harmonia. Eles vivem numa espécie de sociedade utópica. Não há mazelas sociais nem preconceitos. Há apenas prosperidade e aceitação. Mas isso não quer dizer que não existam relações complexas, disputas entre pessoas e máquinas. A delícia de ler as histórias de The Culture é ver como seus habitantes têm uma mente afiada.

O escocês Banks sempre foi conhecido por seu humor, ao mesmo tempo, caloroso e sombrio. A beleza dos romances de The Culture está em tratar de temas sérios, como classe, gênero, raça, estrutura social, individualidade, escolha e acaso, com toques de uma ironia que não deixa prisioneiros, mostrando os absurdos da realidade por ângulos bem diferentes do usual.

Em The Player of Games, acompanhamos o protagonista Jernau Gurgeh, um humano, especialista em jogos, numa missão secreta. Ele vai parar no Império de Azad, considerado bárbaro por autoridades de The Culture pelo extremo sexismo e xenofobia, onde há pobreza e uma hierarquia social estratificada. A civilização de Azad é toda estruturada em função de um jogo. O objetivo de Gurgeh é ser o grande vencedor desse jogo e derrotar essa civilização “por dentro”. As circunstâncias durante e fora das disputas e os próprios dilemas de Gurgeh farão da tarefa algo nada fácil.

The Player of Games é o segundo romance publicado de The Culture, mas é a melhor porta de entrada para esse universo tão rico. É o livro mais curto da série e com uma narrativa mais linear. Banks foi inteligente em não explicar demais as regras de cada jogo, deixando a narrativa ágil e focando nas expectativas e consequências das partidas. A ironia de algumas das inteligências artificiais, por meio dos diálogos, é um show à parte.

The Player of Games, de Iain M. Banks, 405 págs., Orbit

AVALIAÇÃO: RUIM, REGULAR, BOM, MUITO BOM, EXCELENTE

THE EXPANSE: GAME OF THRONES NO ESPAÇO

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A série The Expanse é uma espécie de Game of Thrones no espaço. Centenas de anos no futuro, a humanidade colonizou o sistema solar. Mas está longe de ser um futuro pacífico. Há uma disputa de poder entre os terráqueos, os marcianos e os belters. Os terráqueos têm os maiores recursos e as forças armadas mais poderosas. Os marcianos são humanos que colonizaram o planeta vermelho e se tornaram uma sociedade militar, de recursos limitados, independente da Terra. E os belters são basicamente mineiros que vivem em um cinturão de asteroides distante, explorados tanto pela Terra como por Marte. A vontade de independência dos belters é enorme.

Desde o final do reboot de Battlestar Galactica, o canal SYFY tenta emplacar outro sucesso. Várias tentativas ficaram pelo caminho. Até acertarem com The Expanse. É uma space opera mais sombria e realista (claro que com suas liberdades dramáticas se tratando de espaço sideral), com personagens muito bem desenvolvidos e com personalidades complexas. Os heróis fazem coisas terríveis e os vilões não são cartunescos, possuem motivações convincentes. A força da série está justamente nos personagens e na trama, que mistura elementos de suspense, aventura espacial e uma boa pitada de terror.

Outro triunfo de The Expanse é apostar na diversidade. Nisso ela ganha de lavada de GoT. Tendo um worldbuilding tão rico, com várias culturas e línguas ao redor da galáxia, passando pelas mudanças na estrutura corporal e reação à gravidade de terráqueos, marcianos e belters, às tecnologias que permitem a viagem no espaço, há toda uma variedade de gente, seja como protagonistas, coadjuvantes ou para compor cenários de fundo. Há negros, asiáticos, árabes, latinos, indígenas.

Houve uma melhora significativa na qualidade da série na segunda temporada. As mulheres se tornaram personagens mais relevantes. A trama ficou mais interessante. Há uma boa dose de ação, mas este não é o foco. O grande mistério é construído aos poucos, o que pede certa paciência do espectador.

The Expanse ficou conhecida como a melhor série de ficção científica da atualidade que quase ninguém assiste. O que é uma pena. Ela merece mais audiência e reconhecimento. A 3ª temporada está no ar no SYFY. Você pode ver as temporadas 1 e 2 na Netflix.

AVALIAÇÃO:RUIM, REGULAR, BOM, MUITO BOM, EXCELENTE

MUITO MAIS DO QUE UMA GUERRA ENTRE CAIPIRAS E HIPPIES

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Precisamos prestar mais atenção aos documentários da Netflix e aos documentários em geral. Sempre fui fã do gênero. E alguns dos melhores filmes nacionais são documentários. A verdade pode ser manipulada, se transformar numa obra de ficção. O diretor de um documentário, por mais talentoso que seja, precisa se ater ao compromisso ético de juntar seu quebra-cabeça de informações para mostrar a verdade ou as verdades possíveis dentro de um contexto social e/ou histórico.

No caso de Wild Wild Country, temos uma obra-prima nesse sentido. Uma história tão rica e real, filmada de maneira tão vibrante. A narrativa desse documentário é superior a muitas séries de ficção badaladas da Netflix. Em seis episódios, conhecemos a fundo um dos casos mais controversos da crônica americana nos anos 80: a chegada do guru Bhagwan Shree Rajneesh (depois conhecido como Osho) e seus seguidores ao estado do Oregon para fundar uma comunidade alternativa, numa área rural, cercada de cowboys.

Como diz um dos “personagens” no documentário, no futuro vão pensar que se trata de pura ficção. Porque a história é muito louca. E os personagens fascinantes. Principalmente, Ma Anand Sheela, a toda poderosa secretária de Osho. Ela era uma força da natureza. A pessoa que fazia as coisas acontecerem. À medida que o número de seguidores aumentava no Oregon, assim como a infra-estrutura da comunidade, os conflitos com os vizinhos se acirravam. Então começa uma guerra entre conversadores americanos contra essa comunidade, cheia de gente cansada do american way of life. Mas não pensem que era uma disputa entre caipiras e hippies. A coisa era mais complexa. Havia muito preparo intelectual de ambos os lados. Por isso, a sofisticação da guerra entre esses dois grupos chegou a níveis inacreditáveis.

O que torna Wild Wild Country tão marcante é a junção de conteúdo e forma. Os diretores Chapman e Maclain Way souberam criar uma narrativa empolgante com o uso de vários recursos audiovisuais, principalmente no trabalho com as imagens de arquivo. Esse documentários faz a gente pensar um pouco mais sobre o valor de nossas convicções. Até que ponto devemos deixá-las de lado ou mantê-las.

Wild Wild Country, de Chapman e Maclain Way, seis episódios, Duplass Brothers Productions

AVALIAÇÃO: RUIM, REGULAR, BOM, MUITO BOM, EXCELENTE

VINGADORES: GUERRA INFINITA, UMA MONTANHA-RUSSA DE EMOÇÕES

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Começo logo dizendo que Vingadores: Guerra Infinita é inferior ao primeiro filme e muito superior a Era de Ultron. Em Guerra Infinita, falta a coesão e desenvolvimento de personagens do primeiro. E está longe de ser a bagunça que foi Era de Ultron. Como já apontaram, Guerra Infinita é mais um evento (na verdade, a parte 1 desse evento) do que um filme propriamente dito. Uma saga de quadrinhos no cinema. E como os leitores de HQs bem sabem, dificilmente as sagas mostram o melhor de um universo de super-heróis. Acontece o mesmo com o MCU. Os melhores filmes são aqueles auto-contidos, que contam uma história sem muita ou nenhuma conexão com as outras produções do universo compartilhado.

O inchaço era inevitável em um filme como Guerra Infinita. Mas aqui a Marvel soube entregar um entretenimento que empolgasse. Ao contrário de Era de Ultron, tão preocupado em servir de plataforma para apresentar os novos rumos do MCU em futuros filmes, em Guerra Infinita há apenas um “novo” personagem a ser apresentado e desenvolvido de fato: Thanos. Chega a impressionar a decisão da Marvel em tornar o vilão a coisa mais importante do filme. Thanos não é uma figura caricata. Ele mal levanta a voz. Mas sua tranquilidade é assustadora. E suas motivações, por mais questionáveis que sejam, seguem uma lógica verossímil. Podemos dizer que Thanos acredita nas ideias de Malthus, de que a superpopulação é o motivo de todas as mazelas sociais, no caso, em todo o Universo. Thanos se considera um herói, equivocado, mas herói. O fascinante é ver sua convicção desapaixonada, lutando contra seus mais profundos sentimentos pessoais. Thanos é um vilão atormentado. E tem presença, é miserável e vai fazer você sentir muita raiva.

Passada a montanha-russa de emoções de Guerra Infinita, analisando a coisa friamente, constata-se que é um dos melhores filmes do MCU. Mesmo com seus problemas. A presença dos super-heróis é irregular, e em alguns casos decepciona (heróis fundamentais ficam meio de escanteio). Só uns poucos que fazem a trama avançar têm mais tempo de tela. Por isso, ganharam um bom desenvolvimento e falas marcantes. O que faz Guerra Infinita funcionar são as partes e não o todo, os melhores momentos de cada núcleo de heróis. O bom é que a constante troca de cenários e de times de heróis acelera a trama. O humor geralmente funciona. A ação, no estilo irmãos Russo, é muito competente. E os efeitos especiais são bem convincentes em mostrar a ambição épica desse filme.

A Marvel nunca teve muita coragem em arriscar no MCU. Em termos de mudanças de rumo. Mas há sérias consequências em Guerra Infinita. Houve choro, espanto, silêncio e revolta nos cinemas. Resta saber se a Marvel, daqui para a frente, vai respeitar o investimento emocional do público em relação a algumas das decisões tomadas.

Vingadores: Guerra Infinita (Avengers: Infinity War, 2018), de Anthony e Joe Russo, 149 min., Marvel Studios.  

AVALIAÇÃO: RUIM, REGULAR, BOM, MUITO BOM, EXCELENTE