POR QUE NÃO VEREI O OSCAR

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Na verdade, já faz alguns anos que não ligo para a cerimônia do Oscar. Fico satisfeito em ver a lista dos ganhadores na manhã seguinte, em algum site. Não quero perder mais meu tempo vendo um espetáculo geralmente arrastado,mal-escrito e dirigido, apesar de todo o luxo e o desfile de astros; muitos claramente desconfortáveis por estar ali, no palco ou na plateia. A graça era ver as reações e piadas fora do roteiro e um ou outro belo momento. Mas eram migalhas em um show tão longo.

O prêmio perdeu prestígio nessa era digital, de fácil acesso a informação e fácil produção de conteúdo.  Mas muita gente de Hollywood faz questão de marcar presença na cerimônia. Para a indústria de cinema, o jornalismo de entretenimento e uma parcela considerável dos compradores de ingressos pelo mundo, o Oscar ainda é importante. É uma maneira tradicional e lucrativa de promover filmes, uma fonte abundante de buzz e uma referência reconhecível, um selo de qualidade, para o grande público.

Um ator ser indicado ao prêmio pode significar um upgrade decisivo na carreira, melhores oportunidades de trabalho, com diretores e produtores de prestígio, cachês mais gordos. Ganhar um Oscar pode significar as portas do céu do estrelato, do protagonismo em grandes produções. A vaca no pasto viraria então filé-mignon.

Mas, em 2016, eu abriria uma exceção. Eu estava disposto a ver a cerimônia por um motivo: Chris Rock. Quando seu nome foi anunciado como apresentador, abri o maior sorriso. Adoro o cara. Não o astro de cinema, mas o comediante. Odeio quase todos os seus filmes, mas adoro seus shows de comédia. No cinema, Chris Rock é apenas um palhaço abusado. No palco, ele é um devastador comentarista social e político. Herdeiro direto de um gênio, Richard Pryor. Eu sabia que o Chris Rock do Oscar seria uma versão mais light dos palcos. De qualquer maneira, seria curioso ver seu humor ácido num ambiente tão quadrado e branco, agindo como um verdadeiro penetra.

Então as indicações foram anunciadas e a polêmica começou. Apenas atrizes e atores brancos foram indicados. Pior, dos indicados em todas as categorias, principalmente, nas de maior destaque, a maioria é de homens brancos. Segundo a Variety, dos 23 produtores indicados a melhor filme, sete são mulheres. Dos 17 roteiristas indicados, quatro são mulheres e não há nenhum representante de minorias. Um dos filmes mais fantásticos de 2015, Creed, teve apenas uma indicação, para Sylvester Stallone, deixando de fora o diretor e roteirista negro Ryan Coogler, que fez um dos mais intensos e criativos trabalhos dos últimos anos.

E aí está o verdadeiro problema. Os atores e diretores negros fizeram maior barulho contra o Oscar deste ano, com toda a razão, e algumas vozes latinas também, mas a falta de diversidade como um todo no prêmio é um reflexo da falta de diversidade nas produções americanas em geral, apesar do discurso de se abraçar talentos do mundo inteiro. Claro que houve um enorme avanço na última década, com atrizes negras protagonizando séries de TV de sucesso e atores indianos e asiáticos ganhando papéis de destaque, sem estereótipos, também na TV e em serviços de streaming. Mesmo assim, mesmo com o surgimento da chamada era de ouro da televisão, a grande maioria dos diretores, roteiristas e produtores é branca. No cinema, nos blockbusters, onde o dinheiro de verdade está, a diversidade é ainda menor, seja de cor, gênero, orientação sexual ou qualquer outra. Os verdadeiros donos da bola geralmente estão nos bastidores.

Fazer mudanças internas para tornar a Academia mais sintonizada como os novos tempos é louvável, mas não resolve o problema. Isso é apenas estancar a ferida, não é tratar a doença.

Pois é, Chris Rock. Fica pra próxima.

NOVO SITE DA EX! EDITORA

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Nas palavras de Alec Silva, editor-chefe: “A EX! Editora não quer seu dinheiro, autor, e tampouco promete nada além daquilo que deixamos claro em nossa apresentação; cada autor de nosso catálogo é alguém à margem das grandes editoras, mas todos reunidos num único lugar; os revisores, capistas, ilustradores, diagramadores e leitores críticos que indicamos são quase todos escritores independentes também, ou leitores assíduos e dedicados. Não somos bem uma empresa, e sim um grupo que se reuniu; um dia, quem sabe, vire uma empresa, mas não tenho pressa para isso.” Conheçam a casa da antologia Estranha Bahia, na qual participo como organizador e autor. Clique na imagem para acessar o site.

DEADPOOL, O NOVO FERRIS BUELLER

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Deadpool é um filme que Hollywood ainda tenta entender. Como a adaptação de um personagem de quadrinhos pouco conhecido, com um orçamento muito abaixo das grandes produções, está provocando tanto entusiasmo e fazendo tanto dinheiro? A resposta não é tão simples, mas pode ser resumida: liberdade de criação.

Os envolvidos no filme tiveram liberdade para trabalhar um personagem politicamente incorreto sem interferências castradoras. Foi um risco calculado. Se fosse um fracasso de bilheteria, não perderiam centenas de milhões de dólares. A Fox merece aplausos de pé. É tão estranho quando um estúdio acredita na loucura de alguns cineastas. A Warner fez isso com George Miller e o mundo ganhou Mad Max: Estrada da Fúria. Agora temos Deadpool. Um filme que com certeza mudará os rumos dos super-heróis nas telonas. Mudar quanto é a pergunta de ouro.

Os realizadores de Deadpool foram inteligentes em criar uma comédia de ação muito bem azeitada. Agrada fãs de HQs e o público em geral. Deadpool é algo que o frequentador de cinema esperava há muito tempo. Um super-herói que acha essa coisa de super-herói uma babaquice. Ryan Reynolds tem aqui a interpretação de sua vida. Um ator que muitos consideram insuportável. Mas que arrasa como Wade Wilson/Deadpool. Totalmente despido de ego. Afinal, ele se matou dentro e fora da tela para que esse projeto vingasse. Era praticamente sua última chance como astro de cinema. Com o estrondoso sucesso e carisma de Deadpool, agora Reynolds deu a volta por cima. Mas será que daqui para frente as pessoas só vão quer vê-lo como o mercenário tagarela?

O diretor estreante em longas Tim Miller mostra muita segurança. Ele entrega um filme com timing de comédia e de ação impressionantes. A montagem tanto acompanha a agilidade dos diálogos quanto a destreza e força das lutas, em coreografias excitantes e claras. O orçamento menor fica evidente em alguns momentos, principalmente, nos efeitos especiais. Não existe nada malfeito, e sim com menos textura. Mas o espectador não está nem aí. A atmosfera do filme é tão legal que certos aspectos mais toscos combinam bastante com toda a zoeira.

Agora os verdadeiros heróis de Deadpool, como a hilária sequência de abertura ressalta, são os roteiristas Rhett Reese e Paul Wernick. Sem esse roteiro, Deadpool seria uma boa comédia de ação apenas. O roteiro tem diálogos afiadíssimos e escrachados  em suas autoreferências e metalinguagem, recursos derivados do personagem nas HQs. Outro ponto inteligente é a estrutura, usando de forma dinâmica os flashbacks. A trama é convencional. Herói ou anti-herói quer se vingar de bandido. O grande barato está na maneira como isso é feito. E o filme não é só zoeria (aliás, que chega a um nível inacreditável, tirando sarro do universo Marvel e de Hollywood). Os momentos dramáticos funcionam muito bem. Deadpool também é uma história de amor. Um amor menos convencional.

Outro acerto foi a campanha de marketing, criativa e que preservou muita coisa para o espectador curtir na sala de cinema. O filme é muito melhor do que mostram os trailers. A jogada brilhante foi brincar com o personagem em vídeos, cartazes etc., consolidando uma empatia com um público que nem sabia quem era Deadpool. Isso sem chatear o fã mais hardcore, que se divertiu do mesmo jeito com todo o material promocional do filme.

Deadpool mostra o ridículo do universo dos super-heróis, mas também reconhece que sem eles o mundo seria mais chato.

Deadpool (EUA, 2016), de Tim Miller, 108 min., Fox, Marvel e outros

AVALIAÇÃO: RUIM, REGULAR, BOM, MUITO BOM, EXCELENTE

ESTRANHA BAHIA, CAPA COMPLETA

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Esta é a capa completa da antologia ESTRANHA BAHIA, na qual participo como organizador e autor. São contos de terror, fantasia e ficção científica passados na Bahia. A versão em e-book estará disponível na Amazon, em março. E a edição impressa estará à venda diretamente com os autores e a editora, em abril. O livro físico terá 202 páginas, formato 16cmx23cm, com várias ilustrações.

ALIF, O INVISÍVEL, CONTRA A INTOLERÂNCIA

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Alif, O Invisível é um triunfo da diversidade. Ficção que dá voz ao entendimento complexo do mundo árabe sem comprometer o fascínio da narrativa, o sense of wonder. E neste livro, a fantasia corre solta, de maneira criativa e perspicaz.

G. Willow Wilson é uma americana branca convertida ao islamismo. Não se trata aqui de apropriação cultural. Ela mora parte do ano no Egito e é casada com um egípcio. Este contexto poderia dá-la uma visão dogmática do mundo árabe, um respeito excessivo. Mas acaba lhe proporcionando conhecimento de causa, um profundo entendimento desse mundo, numa visão crítica cheia de insights.

Alif, a primeira letra da língua árabe, é o codinome do protagonista, um hacker que vive num emirado fictício, apenas chamado de A Cidade. Alif usa suas habilidades cibernéticas para prestar serviços de proteção a todos os internautas considerados subversivos pelo governo local opressor.

Alif tem os mesmos problemas de muitos adolescentes: frustrações amorosas, inadequação social, revoltas familiares. Seu maior medo é ser descoberto pelo Estado, devido à sua notoriedade como hacker. Mas um perigo muito maior surge em sua vida quando ele se depara com um antigo livro. O Alf Yeom pode revelar segredos tão sinistros que despertaria um poder além da compreensão humana. Então o leitor tem contato com a brilhante mistura proposta pela autora do mundo digital com o mundo fantástico das lendas árabes.

Existem djins, demônios e outras criaturas sobrenaturais. Além de lugares inusitados, como uma versão árabe do Beco Diagonal dos livros de Harry Potter. Aliás, podemos considerar Alif como um mago dos computadores. Inclusive há uma Hermione, a firme Dina, e um Ron, um príncipe contemporâneo muito divertido. Assim como Harry, Alif é meio tapado, imaturo, mas de bom coração.

O que faz o livro funcionar é a maneira como a autora desenvolve a trama. Por meio das ações e falas dos personagens, ela lança uma visão crítica, complexa e cheia de amor pelo mundo árabe. Ela admira essa cultura, mas não deixa de apontar suas falhas. E tudo é apresentado de maneira orgânica. É uma movimentada e muito bem descrita história sobre poder, liberdade e relações humanas. A autora até faz uma brincadeira consigo mesma. Há uma personagem, uma americana convertida ao islamismo. É uma forma de autocrítica bastante equilibrada.

O livro não é perfeito. O primeiro terço é bombástico, intenso e promissor. Lá pelo meio fica meio arrastado, em que os diálogos ganham bem mais espaço do que a ação. O terço final volta a mostrar força, com ótimas reviravoltas e crescimento dos personagens. Mas o desfecho é apenas satisfatório.

A edição física da Rocco está muito bem cuidada. A tradução é fluida. A revisão está impecável. O projeto gráfico faz inspiradas referências ao mundo árabe, mesclando com o mundo digital. A capa, simples e marcante, é a mesma da edição americana.

No geral, o romance é uma delícia de leitura, cheia de sabedoria. Muito oportuno nesses tempos de fácil expressão da intolerância.

Alif, O Invisível, de G. Willow Wilson, 352 págs., Rocco

AVALIAÇÃO: RUIM, REGULAR, BOM, MUITO BOM, EXCELENTE

OS OITO ODIADOS. E SOBROU ALGUM?

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Mais uma vez Tarantino faz um misto de homenagem e subversão do western. Um diretor que consegue fazer um filme de quase três horas praticamente utilizando um só cenário (uma cabana) e criar interesse no espectador merece aplausos. Ele faz isso com uma segurança absurda.

O filme é uma espécie de mistério à maneira de Agatha Christie, mas com muita violência, sangue e palavrões.

Tarantino é famoso por conseguir grandes performances, até de atores batidos, como Kurt Russell e Jennifer Jason Leigh. Os dois estão ótimos. Assim como Samuel L. Jackson e outros atores menos conhecidos.

As conversas fiadas,  principalmente à mesa, sempre foram um show à parte nos filmes de Tarantino. Em Os Oito Odiados, tais conversas se tornam a atração principal. Às vezes, torna-se cansativo, mas funciona muito bem na maioria das cenas. Este é o filme mais lento que Tarantino já fez. Como um personagem diz, é preciso paciência.

Agora os problemas do filme são tão grandes quanto suas qualidades. Por se tratar de uma trama de mistério, que precisa de uma solução mais redonda, os furos de roteiro ficam maiores. Certos detalhes não se encaixam, tornam algumas coincidências e reviravoltas inconsistentes.

Além da complicada personagem de Jennifer Jason Leigh. Mesmo com sua atuação indicada ao Oscar, a personagem leva porrada o tempo inteiro, apenas de homens. E é o único papel feminino relevante.

A discussão do racismo também não é bem desenvolvida. Fala-se abertamente sobre racismo nos diálogos. Mas o tema é tratado apenas como desculpa para gerar violência.

O filme sofre das mesmas mazelas da série Game of Thrones. Não é porque determinado contexto de ficção é brutal que tudo deva ser tratado de maneira igualmente brutal.

Os Oito Odiados é um filme que não olha para o futuro. É uma peça de nostalgia muito bem encenada.

Os Oito Odiados (The Hateful Eight, 2015, EUA), dir. Quentin Tarantino, 167 min., FilmColony

AVALIAÇÃO: RUIM, REGULAR, BOM, MUITO BOM, EXCELENTE