NÓS GANHAMOS A GUERRA!

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Um dos segredos do sucesso da Marvel é seu talento em contratar pessoas. Quem imaginaria, no agora longínquo ano de 2008, que um filme do Homem de Ferro (um personagem B dos quadrinhos), estrelado pelo problemático Robert Downey Jr. e dirigido pelo inexperiente em filmes de ação Jon Favreau ia se tornar os alicerces de um império cinematográfico, midiático?

Nos últimos oito anos, a Marvel continuou com a estratégia. Contratar nomes promissores, que chamaram atenção em filmes menores ou na TV, para oferecer o emprego da vida dos caras. Ganha a Marvel, por apostar em novas ideias, mas tendo sobre controle o processo criativo de suas produções. Ganham os profissionais, que têm acesso a brinquedos bastante caros, transformando seus próprios sonhos em realidade.

No caso dos irmãos Anthony e Joe Russo, agora podemos dizer: eles foram o melhor investimento que a Marvel já fez.

Capitão América – Guerra Civil é uma orgia nerd, com tudo que sempre desejamos ver num filme de super-heróis. Ação, drama e comédia. Claro que já vimos essa mistura de maneira bem sucedida no primeiro Vingadores e em Guardiões da Galáxia. Mas, em Guerra Civil, o que havia de melhor em outros filmes da Marvel, isoladamente, temos aqui reunido e ampliado. Há as incríveis coreografias realistas da ação de Soldado Invernal e mais, a comédia quase pastelão de Guardiões e mais, e o peso da tetra entre os Vingadores e mais.

Tudo é muito bem coordenado por uma direção segura, que provoca tensão, até mesmo nos momentos em que pouca coisa acontece. A fotografia é criativa nas cenas de luta, a harmonia entre efeitos práticos, digitais e sonoros é muito satisfatória, e a montagem dá uma dinâmica incisiva e clara a todos esses elementos. A trilha sonora é uma variação da música de Soldado Invernal para os momentos de ação, suspense e drama, com o acréscimo do tom heroico, triunfante, pra cima.

O filme é perfeito? De jeito nenhum. Mais uma vez a Marvel comete o erro de ter um vilão central fraco, sem carisma e com um plano idiota, mesmo que suas razões sejam justificáveis. Sua motivação é o que gera o conflito e faz a trama avançar. Nada mais. E os furos no roteiro só ficam maiores em retrospecto.

Porém o mérito de Guerra Civil não está na trama, e sim nas cenas de ação e na interação entre os super-heróis, quando conversam, lutam lado a lado e entre si. Este é um filme de construção de personagem. Uma ótima ideia foi trazer os heróis literalmente para o chão, mais próximos uns dos outros, para que cada um percebesse de que maneira suas escolhas afetariam quem estivesse ao redor.

Todo mundo tem seu momento de tela bem desenvolvido. Pasmem, mas é verdade. Até o Gavião Arqueiro. Temos o Capitão ainda mais convicto de seus princípios. E o melhor Homem de Ferro/Tony Stark desde o primeiro Vingadores, fanfarrão, só que também abalado, fragilizado. O roteiro soube entregar diálogos dramáticos decentes, piadas que funcionam muito bem (inclusive as visuais) e deu motivações convincentes para os heróis se posicionarem, decidir de que lado ficar.

Guerra Civil ainda teve a responsabilidade de reapresentar o queridíssimo Homem-Aranha, que andava com a imagem arranhada depois dos últimos fracassos criativos. É o Aranha dos quadrinhos, sim. Moleque, engraçado, poderoso, inexperiente e com um grande coração. Ele ainda precisa de um filme solo para se firmar. Mas se esse Aranha continuar no mesmo caminho ou evoluir, pode se tornar a melhor encarnação do personagem no cinema fácil, fácil.

Outra responsabilidade, ainda mais complicada, foi apresentar um herói praticamente desconhecido: Pantera Negra. Outra coisa inteligente em Guerra Civil foi tratar o personagem como alguém relevante na trama. Entendemos perfeitamente suas motivações para entrar nessa guerra. Ele vai em busca de seu objetivo com muito foco, técnica e força. Seu traje é elegante, funcional e mortífero. E o que dizer da coreografia das lutas? Inovadora? Excitante? Puta que pariu, do caralho? Se alguém tinha dúvida de que um filme solo do Pantera Negra era uma boa ideia…

Mesmo no calor do hype, considero Guerra Civil o melhor filme da Marvel. Há os mesmos furos de roteiro e tramas e vilões fracos de sucessos anteriores. Mas em que outro filme você pode dizer que viu um monte de super-heróis sair na mão, como nos grandes momentos dos quadrinhos de sua infância?

 Capitão América – Guerra Civil (Captain America – Civil War, 2016), de Anthony e Joe Russo, 147 min., Marvel Studios

AVALIAÇÃO: RUIM, REGULAR, BOM, MUITO BOM, EXCELENTE.

HELL NO, TILDA!

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Tilda Swinton é uma grande atriz. E ela é muito requisitada por um tipo de performance camaleoa, em papéis que exigem curiosas transformações físicas. Mas quanto ao Ancião, mestre do herói no filme do Doutor Estranho, a defesa de sua escalação não tem muito fundamento. Ela podia estar no filme, interpretando outro personagem bad ass, como só ela sabe fazer. Mas o Ancião devia ser interpretado por uma atriz asiática, como a malaia Michelle Yeoh, acompanhando a brilhante ideia dos produtores de contratar uma mulher.

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Mesmo que exista uma reviravolta na trama que explique por que uma mulher branca se tornou o Ancião, essa justificativa seria muito conveniente.

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Michelle Yeoh

A Marvel está melhorando a representação de personagens negros em seu MCU (muuuito mais homens do que mulheres). Mas, em relação a personagens asiáticos, para cada acerto (Agents of SHIELD), comentem-se muitos vacilos e ainda contando (Thor, 1ª e 2ª temporadas do Demolidor e a série do Punho de Ferro vem aí, já cheia de controvérsia).

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A Marvel alega que mudanças são necessárias para fugir de estereótipos dos quadrinhos do passado. Concordo. Filmes são ótimas oportunidades de criticar, de corrigir abordagens racistas anteriores (que reverberam nos dias atuais) por serem veículos de grande audiência. Construir representações mais tridimensionais de heróis e vilões não-brancos, filme após filme, é uma necessária tentativa de mostrar que o mundo é um lugar mais plural, rico e complexo.

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É curioso a Marvel falar em mudanças, justamente em um filme sobre um cirurgião americano branco em crise que vai para a “mística” ásia encontrar uma cura e descobre poderes ocultos milenares. Este é um dos tropos mais racistas do passado que a Marvel manteve sem alterar nada.

GOD´S WAR, DE KAMERON HURLEY

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Gods´War é o romance de estreia da americana Kameron Hurley e o primeiro volume da trilogia Bel Dame Apocrypha. Hurley é um dos nomes mais interessantes da fantasia e da ficção científica nos últimos anos. Ela se encaixa bem no espírito da nova literatura de ambos os gêneros, mais consciente do papel da mulher e da diversidade em geral. Mas Hurley dá um passo adiante. Suas histórias estão de cheias de mulheres nada convencionais. Definitivamente, não há Mary Sues aqui. Suas mulheres são fortes, mas podem ter um caráter falho, são emocionalmente incompletas, estão longe de saber tudo.

Nyx, a protagonista, é uma caçadora de recompensas bissexual, beberrona e violenta, que faz qualquer negócio pelo bem da equipe de mercenários que comanda. Mas ela nem sempre faz as escolhas certas.

Duas coisas chamam atenção no romance. Primeiro, a atitude feminista firme e fora da cartilha, como se dissesse “oh babacas! Mulheres têm o direito de serem brutais também!” Segundo, o incrível worldbuilding. Num mundo inspirado na cultura árabe, misturam-se magia e ciência. Acompanhamos feiticeiros que controlam insetos bizarros, cujas propriedades servem de combustível, armamentos, remédios e transportes, além de engenharia genética, modificações corporais, aliens, guerra santa, metaformos e mulheres boxeadoras.

O texto geralmente tem um ritmo fluente e levanta boas ideias sobre temas como guerra, religião, política e violência.

O livro não é perfeito. Existem momentos bastante arrastados. Principalmente, pela fraca construção de muitos personagens secundários, promissores nos primeiros capítulos, mas que, ao longo da trama, nunca são desenvolvidos a contento. O leitor acaba desistindo deles. Outro problema são certas escolhas narrativas da autora. Algumas viradas importantes são muito batidas, semelhantes a soluções de roteiro de filme B de ação.

Apesar dos defeitos, recomendo muitíssimo a leitura. É uma voz na fantasia e na ficção científica diferente, necessária, inspiradora. É uma voz cheia de atitude, que faz o leitor pensar melhor nas convenções dos papeis de homens e mulheres na sociedade. Recomendo também que leiam o blog de Hurley. Ela tem opiniões bem interessantes e francas sobre carreira literária e o mercado editorial.

God´s War (Bel Dame Apocrypha Volume 1), de Kameron Hurley, 288 págs. Night Shade Books

AVALIAÇÃO: RUIM, REGULAR, BOM , MUITO BOM, EXCELENTE

O DIÁLOGO

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Se eu previsse o que estava por vir, talvez não desse falta do Maigret que devorava de manhã na cama, e que segui lendo na praça de alimentação do shopping, enquanto esperava Cristina. Talvez não lembrasse que o havia deixado em sua bolsa quando nos encontramos para almoçar, porque eu estava de folga e não queria carregar nada nas mãos. Talvez não quisesse saber logo quem matou o Senhor Charles. Talvez não fosse ao trabalho de Cristina para pegar o livro. Só que não acredito em vida após a morte, destino ou premonições. O que acontece, acontece.

Cristina é vendedora numa loja de roupas. Enquanto eu atravessava os corredores do shopping, driblando um e outro, não parava de pensar no programa que ela tinha inventado para aquela noite. A despedida de um amigo dela. O sujeito vai morar em Portugal. Não suporto a maioria de suas amizades. Riem muito alto, falam muita merda. Assim como ela não suporta a maioria das minhas. Para ela, são um bando de boçais.

Entro na loja e Cristina logo me vê. Ela se mostra mais surpresa do que contente. Quer saber o que estou fazendo ali. Digo que vim atrás do livro que deixei em sua bolsa. Ela vai pegá-lo. Na volta, confirmamos o diabo do programa da noite. Trocamos um selinho. Saio da loja disposto a terminar o romance num canto menos barulhento do shopping.

Dois corredores depois, meu plano foi frustrado. Eu estava distraído e só fui perceber quando era tarde demais, quando já olhávamos um para o outro. Não sei por que paramos, frente a frente. Não sei por que não seguimos nossos caminhos.

Ela estava com o cabelo mais longo, deliciosamente gorda e acompanhada de uma menininha e um sujeito alto.

“Como vai?”, ela disse, serena.

As palavras quase não saíram da minha boca. Minha recuperação foi lenta.

Ela me apresentou ao marido e à filhinha.

A conversa não rendeu muito. Ela perguntou por minha família. Respondi com poucas palavras, tentando mostrar tranquilidade, equilíbrio. Em seguida, instalou-se um silêncio constrangedor. A gente se despediu.

Fui direto para o carro e joguei o Maigret no banco do carona.

Tomei fôlego para não dar ignição de uma vez e arrancar com tudo.

No primeiro sinal vermelho, apareceu um garoto e me pediu um trocado.

“Eu não tenho nada”, disse a ele. Quis ser gentil ao invés de usá-lo como bode expiatório da minha raiva, da minha frustração.

O garoto segurou o passo. Olhou para mim e deu uma gargalhada, erguendo a cabeça. Depois seguiu seu caminho.

O sinal ficou verde. Fui embora.

MEU CONTO NO MAPA DA PALAVRA

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Saiu o resultado do projeto Mapa da Palavra, da Secretaria de Cultura da Bahia, que pretende avaliar a atividade de autores no Estado inteiro e fazer diagnósticos com as informações levantadas. Cada autor participante preencheu um cadastro detalhado de sua carreira e obra. Além de enviar textos para seleção em duas etapas. Na 1ª etapa, foram escolhidos textos (conto, poesia, crônica, cordel, inclusive livros na íntegra) que ficarão disponíveis no portal virtual do projeto. Na 2ª etapa, foi feita uma escolha mais enxuta para produção de quatro publicações impressas e/ou digitais. Foram 275 inscrições, em 27 territórios baianos. Meu conto Videoclipe foi selecionado na 1ª etapa! Legal saber que minha história, que mistura ficção científica e o fantástico, num tom meio surrealista, foi aprovada por um banca da academia e do poder público. Teve professora da UFBA, que estuda hip hop e temáticas raciais. Teve professor e cordelista. E teve editor da Editora 34. O portal virtual e a primeira publicação irão sair até outubro de 2016. Para mais detalhes, clique na imagem.