O DESESPERO DAS FLORES
O menino aprendeu com o pai
a amar as flores na labuta diária
no jardim bonito da casa
fizesse sol ou chuva
O menino conversava com as flores
em sussurros, para que ninguém o zombasse
pois as flores sabiam: sua dor era um segredo
e por isso tentavam animá-lo
com o zum-zum-zum das abelhas
As lágrimas invisíveis do menino
caíam em suas bochechas negras
assim que caíam as bombas
sobre as ruas, as casas, as pessoas
Apesar de toda aflição
o menino se espantava pelo jardim bonito
continuar bonito
como o último milagre de um deus morto
Certa noite, a família do menino teve de fugir
mama e papa não deram maiores explicações
abandonariam a casa abalada e o jardim bonito
e as lágrimas do menino agora caíam sem pudor
Levariam apenas o necessário para a jornada incerta
e o menino teve de fazer uma escolha difícil:
qual das flores carregar consigo,
deixar todas para trás não era uma opção
As palavras de papa foram duras, puro desencanto
em ver o homem que ensinou o menino a amar as flores
dizendo que a flor eleita seria um castigo vivo
de um passado que já não existia mais a assombrá-los
O menino era um bom menino, mas um menino
e como todo menino não entedia de muitas coisas
ou não queria entender ou fingia não entender,
mas, no final, venceu a batalha, não havia mais tempo para altercações
E a família partiu aproveitando o silêncio das bombas
e o menino escutou o choro de outros meninos e meninas e flores que ficavam
porque todas as abelhas também partiam
(Ricardo Santos)