A autora estadunidense, de ascendência nigeriana, Nnedi Okorafor disse, certa vez, que, como não havia ficção para ela ler sobre a África no futuro, ela resolveu escrever suas próprias histórias. A trilogia Binti é um excelente exemplo desse projeto.
Na primeira novela, somos apresentados a Binti, uma garota muito curiosa, matemática brilhante e filha de um fabricante de astrolábios. Ela faz parte do povo Himba, na Terra. Um povo que dá valor ao conhecimento, mas muito fechado em si, bastante apegado às tradições. Quando Binti decide viajar para outro planeta, onde se encontra a universidade mais prestigiosa da galáxia, gera-se uma crise familiar. Os poucos Himba que deixam sua comunidade se tornam párias.
Na nave que a leva, Binti é a única pessoa do povo Himba a bordo, com otjize espalhada pelo rosto e tranças, uma espécie de argila vermelho-alaranjada, símbolo fundamental em sua cultura.
Binti se sente novamente dividida com o acolhimento de um grupo de estudantes, futuros colegas de universidade (depois de um estranhamento inicial) e a curiosidade espantada e racista de tripulantes e passageiros, gente Koush, um povo humano dominante. Então acontece uma reviravolta sanguinolenta. A viagem espacial se torna cenário de uma eletrizante história de terror, com a chegada do povo alien Meduse, inimigos mortais dos Koush.
Binti é uma adolescente muito decidida, mas também frágil na incerteza do que o futuro lhe reserva longe de casa, na universidade, e em seu contato com o povo Meduse. Contato esse que fica mais complexo e tenso à medida que o tempo vai passando na nave, e que vai transformar a vida de Binti para sempre.
Em Binti: Home, segunda novela da trilogia, ela já frequenta a universidade de Umza Ooni. Depois do trauma vivenciado no livro anterior, Binti volta para Terra, a fim de se explicar à sua família por ter fugido. Esse retorno não é fácil. Binti não é mais a mesma pessoa, algo que tanto seus familiares como a própria Binti têm dificuldade em entender.
A expansão desse universo é o maior mérito do segundo volume. Conhecemos mais o povo Himba e a família de Binti, com seus afetos e conflitos. Agora Binti enfrentará mais uma etapa decisiva em seu caminho de autodescoberta, após revelações sobre seus ancestrais e poderes que ela desconhecia. Ao mesmo tempo, há um grande perigo no ar. A rivalidade entre os Meduse e os Koush chega à Terra, ao povo Himba e coloca a vida de Binti em risco.
Na terceira novela, The Night Masquerade, temos uma conclusão épica à jornada de Binti, colocando-a no epicentro de uma guerra iminente entre Meduse e Koush, após anos de trégua. Binti precisa buscar a paz a fim de preservar sua cultura e a vida de seu povo. Além de tentar entender as habilidades que carrega consigo.
A primeira novela é tão empolgante que você consegue terminá-la de um só fôlego. O texto de Okorafor é simples, fluido, muito gostoso de ler. É uma prosa cheia de sabedoria, calorosa, mas que não deixa de lado o aspecto sombrio da natureza humana… e de alienígenas. Isso continua em Binti: Home, mas aqui algo fica faltando, um maior investimento na trama. Não acontece muita coisa, mesmo com um elenco de personagens fascinantes.
Contudo, em The Night Masquerade, Okorafor consegue aproveitar muito bem o fato de escrever a novela mais extensa para, finalmente, entregar ao leitor o cenário completo de toda a saga. É no terceiro livro que temos os melhores momentos de Binti, tanto na interação com os demais personagens, como em suas reflexões sobre seu lugar no mundo (e no universo) e outros temas caros, como os papéis da mulher, sede de conhecimento, estado de guerra, tradição, modernidade e negritude. Himba, Meduse e Koush não são retratados como mocinhos e vilões, mas como gente e seres complexos numa situação-limite, que precisam fazer escolhas difíceis, vencer barreiras e preconceitos. O desfecho é positivo, mas longe de ser ingênuo.
Com a trilogia Binti, Nnedi Okorafor subverte as convenções da ficção científica para tornar o gênero mais vibrante. Ela continua os passos de Octavia Butler e apresenta uma obra de afrofuturismo notável. A primeira novela ganhou o Nebula e o Hugo.
Binti, 98 págs, Tor. AVALIAÇÃO: RUIM, REGULAR, BOM, MUITO BOM, EXCELENTE
Binti: Home, 168 págs., Tor. AVALIAÇÃO: RUIM, REGULAR, BOM, MUITO BOM, EXCELENTE
Binti: The Night Masquerade, 202 págs., Tor. AVALIAÇÃO: RUIM, REGULAR, BOM, MUITO BOM, EXCELENTE