A MALANDRAGEM COMO SOBREVIVÊNCIA

1 alô amigo

Como mostra o livro O Imperialismo Sedutor, de Antônio Pedro Tota, durante a Segunda Guerra Mundial, houve esforços dos EUA para conquistar corações e mentes dos povos e, principalmente, dos governos da América do Sul. Em especial, do Brasil, por sua posição geográfica estratégica no continente e pelos recursos naturais importantíssimos para a indústria americana, como a borracha amazônica. Walt Disney fez sua parte, tentando aproximar norte-americanos e sul-americanos pela valorização das culturas dos países latinos mais importantes para os gringos. O média-metragem Alô, Amigos (1942) e o longa Você Já Foi à Bahia? (1944) fazem passeios por alguns destes países, mostrando costumes, paisagens, floras, faunas, comidas, danças e cantos, tudo de maneira leve, exuberante e bem humorada. Há belíssimas sequências, mesclando animação e música, no que a Disney sabe fazer de melhor. Mas nenhum dos dois filmes são marcantes. No geral, trazem histórias enfadonhas, datadas e cheias de estereótipos. Os melhores segmentos, em cada filme, são realmente os do Brasil. É inegável que a estrela de ambos é Zé Carioca, ou Joe Carioca. São segmentos que não fogem ao exotismo, mas que, no fundo, mostram o que é ser brasileiro, particularmente, carioca e baiano. Afinal, o estereótipo é uma maneira de distorcer a realidade. Nesses filmes, não se revelam a pobreza do Brasil, a repressão política de Getúlio Vargas, os interesses econômicos dos americanos. Nem a capoeira, os terreiros, as navalhas. Aqui baianas e malandros são todos brancos.

Temos então o conto Alô, Amigo! O Encontro de Zé Pelintra com Walt Disney, o primeiro da série Nordeste Alternativo, do autor baiano César Miranda. Estamos no Rio de Janeiro da década de 1920, Walt Disney está no Brasil em busca de inspiração. Ele acaba conhecendo Zé Pelintra, com seu chapéu de malandro e terno branco impecável, uma entidade das mais difundidas nas religiões afro-brasileiras, especialmente na umbanda. Zé Pelintra convida Val para conhecer o verdadeiro Rio de Janeiro, o Rio além dos pontos turísticos tradicionais. É um conto divertido, mas nenhum pouco ingênuo. Mostra a malandragem como uma questão de sobrevivência. O texto é muito maduro, no ritmo e na sintaxe, no que parece ser a estreia do autor. A pesquisa da época é inserida de maneira sutil, sempre a serviço da trama. No final da leitura, o saldo que fica é de um gosto na boca de Jorge Amado 2.0. Um gosto bom. O Jorge Amado da consciência social e da valorização da cultura popular. Jorge Amado em suas qualidades e contradições. O autor César Miranda ganhou mais um fã de seu trabalho.

Olá, amigo! O encontro de Zé Pelintra com Walt Disney (Nordeste Alternativo livro 1), de César Miranda, 36 págs., independente

AVALIAÇÃO: RUIM, REGULAR, BOM, MUITO BOM, EXCELENTE