O DESPERTAR DA FORÇA, UMA CONTRADIÇÃO

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(Esta resenha contém spoilers.)

O diretor J.J. Abrams tinha a complicada tarefa de tirar a franquia da lama, depois do fracasso de crítica da trilogia de prequels. E principalmente por causa da decepção dos fãs. A Disney comprou a LucasFilm pensando no lucro potencial estratosférico. Mas, para que a coisa funcionasse do jeito dela, era preciso reerguer a franquia, de certa maneira começando do zero, criando um novo rumo para esse universo.

Star Wars é uma marca valiosa não apenas pelos filmes. Na verdade, eles são uma pequena parcela de todo o negócio bilionário. O dinheiro de verdade está no licenciamento de produtos. Mas para que as pessoas consumam tudo o que for oferecido com referência a Star Wars, a marca precisa estar forte. As pessoas precisam amá-la. Gente de várias gerações. E no caso de Star Wars, tudo começa pelos filmes.

O Despertar da Força é uma contradição. Covarde na estrutura do roteiro, uma mistura de cópia e homenagem à trilogia clássica. E ousado na proposta de apresentar novos personagens e novas atitudes, fora dos padrões dos heróis não só da franquia, mas dos blockbusters em geral.

O fan service é inteligente, integrado à trama. Os elementos e personagens do passado conseguem conversar muito bem com as novidades. O Han Solo coroa funciona melhor do que a princesa Leia, ela agora general da Resistência. Harrison Ford tem mais tempo de tela e parece bem mais à vontade no papel. Já Carrie Fisher faz uma Leia no automático, sem brilho, quase como uma obrigação. Chewie é sempre Chewie, nunca sai de forma. E não dá para dizer muita coisa do Luke de Mark Hamill. Ele só aparece por uns trinta segundos e não tem falas.

Para compensar a história fraca, batida, a produção foi esperta em investir no visual, porque Star Wars é mostrado de uma maneira nunca antes vista,
mesmo revisitando muita coisa consagrada; em atores muito competentes e bem escalados, com as melhores atuações de toda a franquia; e em diálogos bem afiados, principalmente no humor. Rey (a garota jedi que tanto esperamos ver na telona), Finn (o fã dentro da saga), Poe Dameron (o personagem mais cool de todos), Kylo Ren (um vilão que pode se tornar maior do que Vader, porque quem mata Han Solo não merece redenção, ainda mais sendo o filho do cara!) e BB-8 (a fofura em pessoa, quer dizer, em metal) conseguiram conquistar mentes e corações. Sem unanimidade. Mas J.J. Abrams e companhia podem respirar aliviados. A missão foi cumprida. A decisão de investir mais nos personagens do que na trama deu resultado.

Os novos rumos de Star Wars estão bastante ligados à trilogia clássica e fogem como vampiro da cruz dos prequels. As menções a estes últimos filmes são bem mais sutis. As razões são óbvias. O futuro se espelha no passado que deu certo.

Como já disseram, Star Wars é um western, uma história que se passa na fronteira. Não é sobre intrigas na metrópole, no espaço urbano. Então o deserto, as florestas e outros ambientes mais rústicos voltaram. Assim como os efeitos práticos, a sujeira, a velharia.

O maior problema dessa nova trilogia, agora chamada de sequels, é conseguir uma identidade própria. Os novos personagens foram apresentados. O próximo passo é contar uma história com alguma originalidade. Não quiseram fazer isso em O Despertar da Força. Talvez acharam que seria arriscado demais. Muita informação para os fãs assimilarem. Mas nada justifica os furos no roteiro. Os fãs perdoam as incoerências da trilogia clássica porque sabem que a mitologia foi criada aos trancos e barrancos, durante a elaboração dos roteiros anteriores e as filmagens. Desta vez, tudo está sendo pensado com cuidado e antecedência. Ou deveria estar. A experiência de narrativa atual é muito mais exigente.

Para muitas pessoas, Star Wars não é Transformers. Não é apenas diversão. Pode ser um estilo de vida ou até mesmo uma experiência religiosa. O fascínio desse universo está naquilo que ele representa para cada um. Um receptáculo mágico que pode ser preenchido por vários significados.

Star Wars é um mito criado pelos fãs. E reforçado pela venda da marca, de diversas maneiras, por décadas e décadas. É algo muito além da qualidade dos filmes. Mesmo assim, os filmes devem corresponder às expectativas, sempre altas. Por isso, os fãs esperam um novo rumo para Star Wars, uma evolução desse universo.

Parece que a Disney sabe o problema que tem nas mãos. Sabe que agora essa é sua franquia mais valiosa.

O Despertar da Força (The Force Awakens, 2015), de J.J. Abrams, 135 min., LucasFilm/ Bad Robot

AVALIAÇÃO: RUIM, REGULAR, BOM, MUITO BOM, EXCELENTE

O BATUQUEIRO DO GRAN CIRCO LODOROV

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Desde menino Ian Lao quis sair de sua aldeia e conhecer o mundo. Sonhava com os lugares maravilhosos estampados nos postais que um certo caixeiro vendeu, por anos e anos, ao povo de sua aldeia. O Muro de Berlim, a Torre Eiffel, as pirâmides do Egito, o Cristo Redentor, a Disneylândia. Para Ian Lao, a vida dura de camponês nunca solapou sua vontade errante. Certa manhã, pouco depois de completar dezesseis anos, o pequeno Ian Lao partiu, olhando duas vezes para trás.

Tornou-se um globetrotter da falta, do desespero e de pouquíssimas alegrias. Depois de muita reviravolta, foi parar no interior de Pernambuco. E foi numa cidadezinha chamada Nova Esperança que ele recobrou a sua. O lugar era uma miséria, mas tudo bem: lá estava o Gran Circo Lodorov em noite de estreia.

Em suas andanças, ele nunca vira nada parecido. Sem dúvida, era o pior circo que já encontrara. Leões magérrimos domados por um tuberculoso, palhaços feios de dar medo, um velho mágico com truques manjadíssimos, malabaristas muito desastrados. Quando o atirador de facas entrou no picadeiro, todos prenderam a respiração. Para sorte da mocinha na roda de madeira, o atirador deixou cair uma faca no próprio pé e se retirou mancando. A maioria da mirrada plateia ficava cada vez mais aborrecida com aquele acúmulo de incompetências. Mas Ian Lao adorou tudo, porque tudo resultou em patetices de chorar de rir. Ele agora sabia o que fazer em seguida: juntar-se àqueles freaks para garantir pão, cama e sua terapia.

Depois do espetáculo, saiu à procura do dono do circo.

Quando Vladimir Lodorov viu à sua frente a minúscula figura de Ian Lao, ele não sabia o que pensar. O chinesinho começou a falar um espanhol de sotaque carregado e a fazer caretas e gestos, tentando explicar quem era e o que pretendia. Lodorov entendeu pouca coisa, mas percebeu que o chinesinho queria trabalho. Por sua vez, perguntou, com um português de sotaque carregado, também fazendo caretas e gestos, se Ian Lao conseguia dar cambalhotas num fio a dez metros de altura, tocar a ponta do nariz com o pé, dobrar o corpo para que o colocassem numa caixa, equilibrar pratos em varinhas. Ian Lao riu e riu, e disse: no. De repente, ele tirou de um saco de pano gasto um gongo dourado e uma baqueta. E pôs-se a bater e a gritar. Para espanto de Lodorov, aquilo não soava exatamente belo, mas exótico e prazeroso. Então veio a ideia de tornar o chinesinho o abre-alas do Gran Circo, o prenunciador de seu encantamento e diversão.

A trupe chegava às cidadezinhas e Ian Lao, por onde passava, se punha a tocar seu gongo e a gritar as atrações do Gran Circo Lodorov. Seu português, aprendido a bom custo, dava para o gasto. À noite, ele assistia ao pastelão involuntário. Mas depois de meses e meses, sua terapia já não tinha o mesmo efeito. As patetices perderam a graça. Certa manhã, Ian Lao partiu, sem olhar para trás.

Numa estação ferroviária decaída, ele quis saber para onde ia o trem prestes a sair. Ninguém lhe deu a mínima. Até que ele colocou os pertences no chão, abriu o saco de pano e o gongo bateu na lateral da locomotiva e nenhum passageiro arriscou um pio. Todos olharam para ele. Atenderam-no. Agora a dúvida era saber se iria para a Salvador das batucadas do Olodum ou se para o Rio da bateria da Mangueira.

REVENDO A NOVA TRILOGIA

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George Lucas sempre será reconhecido como um dos grandes nomes do cinema. Mas ele deve ser festejado pelos motivos certos. Lucas é um brilhante homem de negócios, um produtor muito bem sucedido. Mas como diretor e roteirista, ele é um desastre. E a prova definitiva é essa trilogia de prequels, uma tristeza para os velhos fãs e uma péssima introdução a esse universo para as atuais gerações.

Tudo que havia de qualidade da trilogia clássica foi esquecido: a sujeira e o aspecto de coisa velha de objetos e lugares, os efeitos práticos, a espontaneidade, o carisma e a emoção. A confiança de Lucas nos efeitos em CGI, na tela verde, foi tão absurdo que, no episódio II, O Ataque dos Clones, todos os stormtroopers foram gerados por computador. Não havia um único ator vestido de soldado do futuro império. A cenografia era outra lástima. Excessiva e artificial.

Desta vez, com muito mais grana e recursos tecnológicos, Lucas resolveu fazer o que não pôde nos anos 70 e 80. Ele deu uma de cientista louco, megalomaníaco, querendo conquistar o mundo, ou melhor, a galáxia.

O fato é que Lucas perdeu a oportunidade de fazer uma nova trilogia que fizesse justiça à anterior. Na trilogia clássica, ele reuniu grandes profissionais em diversas áreas para concretizar sua visão inovadora. Não por acaso, o melhor filme da franquia, O Império Contra-Ataca, foi dirigido e escrito por outras pessoas. Mas, nos prequels, ao invés de repetir essa estratégia, ele decidiu que brincaria sozinho. E o resultado foi uma brincadeira muito sem graça.

Lucas conseguiu arruinar a reputação de personagens icônicos como Obi Wan, Yoda e, principalmente, Darth Vader.

Mostraram os jedi como arrogantes, insensíveis, chatos e burros. O jedi e o sith dignos de nota nos três filmes foram Qui-Gon Jinn (Liam Neeson) e Darth Maul (Ray Park).

Agora mostrar Anakin Skywalker/Darth Vader como um pirralho irritante, um aborrecente reclamão e um homem nada esperto, manipulável, desconstruiu toda a imagem do vilão impiedoso.

Mesmo com o avanço dos efeitos especiais e as coreografias elaboradas, poucas lutas de sabre de luz empolgam nesses prequels. É broxante acompanhar tantos passes de dança e acrobacias. Não há um real senso de perigo.

Os roteiros da trilogia clássica não eram um primor de coesão e muitos diálogos eram até risíveis, mas transmitiam ao espectador o espírito da diversão e da aventura. Os roteiros da nova trilogia são ainda menos criativos, os diálogos são ainda piores, transmitindo tédio e vergonha alheia. Além do fan service descarado, sem nenhum propósito narrativo, e as coincidências e explicações forçadas para conectar os eventos e personagens das duas trilogias.

George Lucas é o pai de Star Wars. Mas os fãs estão muito aliviados pelo futuro da franquia não estar mais em suas mãos.

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Meu pai está morto. Foi enterrado há alguns anos. Mas hoje ele está vivo. Preciso ver seu rosto pela última vez. Trocar as últimas palavras.

Lembro bem de nossas tardes de sábado quando eu era criança. Ele gostava de contar histórias sobre as viagens de sua juventude.

Ele correra o mundo, carregando sua mochila surrada.Tinha enfrentado sol e chuva, sentido fome e saciedade, testemunhado beleza e violência.

Eu não parava de perguntar sobre os lugares, as paisagens, as pessoas.

Eu não entendia tudo o que ele me contava. Mas a graça de seu discurso me fazia sorrir, feito um idiota embevecido.

Meu pai e minha mãe tanto se amavam quanto se odiavam.

Quando a guerra deles começava, eu começava a minha: ia para meu quarto brincar com meus bonecos e soldadinhos de plástico.

Um dia, meu pai arrumou a mala e partiu. Antes de ir, ele beijou o topo da minha cabeça, prometendo voltar em breve.

Dias se passaram. O silêncio distante do meu pai não me deixava dormir. Às vezes, minha mãe chorava trancada em seu quarto.

Uma noite, o cansaço pela espera me venceu.

Sonhei que eu e meu pai andávamos sozinhos numa roda-gigante mágica, cortando nuvens, vendo pássaros e aviões de perto.

Até que surgiram crianças felizes nas cadeirinhas da roda-gigante e meu pai sumiu sem dizer adeus.

Algum tempo depois de meu pai ir embora, minha mãe começou a sair com um sujeito. Os dois acabaram se casando.

Fisicamente, ele até lembrava meu pai. Mas o cara não sabia contar histórias. E não gostava de assistir filmes de terror e de ficção científica.

Meu pai adorava rir das múmias, lobisomens e aliens que víamos nas madrugadas. Eu morria de medo.

Foi me dada a chance de rever meu pai, de falar com ele novamente. Mas não sei onde encontrá-lo. Estou perdido.

Não conheço essas ruas, essas esquinas, esses prédios. A cidade está deserta. Uma metrópole fantasma.

Não há sinal de catástrofe, de devastação. Tudo está em seu lugar.

Para meu espanto, um garoto aparece na minha frente do nada. Reconheço-o. Sou eu quando tinha nove, dez anos.

Ele estica o braço e aponta para o céu. Um disco voador de filme B se aproxima. Ele aterrissa no meio da avenida.

O garoto segura na minha mão. Partimos.

Não sei como vim parar nesse deserto. Efeitos colaterais da Máquina.

Não havia como programá-la para simplesmente colocar meu pai e eu, cara a cara, numa praia paradisíaca?

O Homem da Máquina me alertou: “Não será fácil”.

Sinto uma sede terrível. O sol é inclemente. Não há nada ao meu redor, apenas areia.

Não sei se continuo a caminhar, seguindo com meus passos cada vez mais débeis. Ou se me rendo em definitivo ao cansaço febril.

Será esse o fim da minha jornada? Não vou poder xingar meu pai, dar-lhe um soco, beijá-lo?

Meu corpo não aguenta mais. Vou ao chão.

Mesmo com os sentidos confusos, sinto algo entre meus dedos. Ao abrir a mão, a areia se esvai, revelando uma chave antiga, enferrujada.

O trecho de areia sob mim começa a tremer. Consigo forças para me afastar, me jogar para o lado.

Uma pequena duna emerge. Na verdade, é um velho baú.

Me arrasto até ele. Levanto o corpo com dificuldade. Afasto com o braço vacilante a areia acumulada sobre sua tampa.

Coloco a chave na tranca e abro.

O baú está cheio de água. E boiando, há uma garrafa de vidro fechada, com um rolo de papel dentro.

Bebo a água sofregamente. Ela é tão cristalina, tão fresca.

Depois de saciado, presto atenção na garrafa de vidro. A curiosidade me faz abri-la.

O rolo de papel é um antigo mapa. Mares, montanhas, florestas.

Ao final de uma linha pontilhada, uma inscrição indica: SEU PAI ESTÁ AQUI.

O deserto se torna sombrio. As nuvens se fecham. Começa a chover forte. Os grossos pingos de água fazem da areia lama.

Para proteger o mapa, coloco-o de volta na garrafa de vidro.

Meus pés estão cobertos de lama. Meus passos ficam pesados. Mas vou adiante, insisto, agora sei para onde ir.

Tudo o que tenho a fazer é esperar. Pelo momento certo.

O sinal são os raios, cortando o céu, atingindo o solo.

Lá estão eles! À minha frente, no horizonte, emitindo sua música assustadora.

Para ver melhor, enxugo o rosto com a mão várias vezes. Não dou muita importância aos grossos pingos de chuva me atingindo.

Os raios são tão brancos. Sinto uma mistura de medo e prazer ao contemplá-los.

Entre os raios, já posso vê-los, batendo suas enormes nadadeiras, lenta e graciosamente.

São bagres gigantes, multicolores. As tonalidades mudam a todo momento.

Preciso seguir as instruções do mapa.

Para montar nos bagres gigantes, a pessoa tem de gritar muito, muito alto. Para chamar a atenção deles. Fazê-los voar bem baixo.

Assim é possível agarrar-me a um dos bagres e seguir meu caminho.

Uma carona direto para A Montanha de Todos os Saberes, como indica o mapa.

Os bagres gigantes estão se aproximando. Os raios estrondosos os acompanham.

Coloco a garrafa na cintura, dentro da calça folgada.

Inspiro fundo, encho os pulmões, fecho os olhos.

Nunca gritei com tanta força. A chuva não me atrapalha. Eu continuo a gritar, a gritar, a gritar.

Quando termino, um acesso de tosses acaba comigo.

Deu certo. Os bagres gigantes estão se aproximando, diminuem cada vez mais de altitude.

Agora tenho que me concentrar. Não posso perder a chance de montar em um deles.

Mesmo eu estando todo molhado, mesmo com suas escamas escorregadias, tenho de conseguir.

Eles vêm ao meu encontro. Os raios fazem a terra tremer. É agora.

Agarro-me à nadadeira de um dos primeiros bagres do cardume. Com dificuldade, monto nele. Faço de seus bigodes rédeas.

Ganhamos altitude. Agora sou eu quem atinge a chuva. O som dos raios à minha volta é ensurdecedor.

Agora meu coração está acelerado por outro motivo. O medo deu lugar ao êxtase.

Seguro-me ao bagre gigante com um pouco mais de destreza, de segurança.

O que me permite curtir a viagem. Mesmo com a chuva me encharcando, e os raios explodindo.

A cena me faz lembrar do dia em que eu e meu pai saímos de moto.

Numa manhã ensolarada, meu pai apareceu em casa com a moto de um amigo.

Aproveitamos a ausência de minha mãe para andarmos por estradas no litoral.

Fiquei na garupa, agarrado à sua cintura. Como era gostoso sentir o vento forte no rosto, o coração acelerar.

Foi nossa última aventura antes de ele partir.

Uma noite, alguém bateu na porta de nossa casa. Minha mãe foi atendê-la e deu um grito.

Fui correndo socorrê-la, e vi o mesmo que ela: um fantasma. Meu pai estava de volta.

Ele não queria ser o homem da casa novamente. Queria dar explicações, me reconquistar, ser o pai que fora ou melhor.

Porém suas palavras não me seduziam mais. Eu não era mais uma criança.

Ele retornou outras vezes. Me recusava a vê-lo.

Até o dia em que escrevi uma carta para minha mãe, revelando os motivos da minha partida (não todos).

Fui embora de casa. Não sem antes beijá-la na testa, enquanto dormia.

Peguei a estrada, sem rumo definido.

Eu sempre falava com minha mãe. Ela me contava como andava sua vida e eu contava da minha. Eu não revelava tudo, não queria magoá-la.

Toda vez ela me pedia para voltar para casa. Eu não fazia promessas que não podia cumprir.

Às vezes, ela falava sobre meu pai, de como ele estava sempre preocupado comigo.

Eu não queria saber. Falava para ela mudar de assunto, me irritava com ela. Depois pedia desculpas.

De uma maneira ou de outra, nunca fiquei sem ter notícias do meu pai. Mas fiquei sem vê-lo por anos.

O Homem da Máquina recomendou que eu não lutasse contra os caprichos da jornada.

Falar é fácil.

Agora estou numa sala ampla com móveis luxuosos e antigos. Estou completamente seco. Nem sinal dos bagres gigantes, da chuva, dos raios.

A garrafa de vidro com o mapa sumiu da minha cintura. Será que cheguei ao meu destino?

Pelas janelas altas, vejo uma noite de lua cheia. Parece não ter ninguém na casa.

Mas logo uma sombra volumosa e disforme vem caminhando em minha direção.

Sob a luz, acaba o mistério, mas não o espanto: é um palhaço corpulento, de cara branca e de nariz e cabelo violeta.

Em silêncio, ele levanta os ombros, mexe os braços e as mãos, faz uma careta me convidando a entrar.

Ele segue o caminho de volta. Eu vou logo atrás. Nos deparamos com uma robusta porta fechada.

Antes de o palhaço abri-la, ele sorri para mim de forma assustadora.

Atrás da porta, há uma sala de jantar, onde outros palhaços nos esperam.

Todos estão de pé, ao redor de uma mesa comprida e farta, com dez ou doze deles de cada lado.

Palhaços de maquiagens, roupas e tamanhos diferentes me encarando. Tento disfarçar meu medo.

O palhaço de nariz e cabelo violeta aponta para a cadeira vazia da cabeceira.

Eu me sento. Os outros palhaços fazem o mesmo. Meu anfitrião permanece de pé.

Os palhaços se põem a comer, beber, conversar e rir. Eu apenas como e bebo, cauteloso, observando tudo.

Eles parecem não se importar com minha presença. Imaginei que eu fosse o convidado especial.

Olho para o lado e vejo que o palhaço de nariz e cabelo violeta desapareceu.

Começo a pensar em como sair dali, como posso continuar minha busca, e o que aquele lugar tem a ver com ela.

Percebo que um dos palhaços, de quando em quando, me encara, firme.

Sempre o encaro de volta, hesitante.

Os outros palhaços continuam a aproveitar o banquete.

O palhaço me encara uma última vez, e levanta-se.

Os outros palhaços parecem não se importar com sua ausência.

O palhaço se aproxima de uma porta lateral, e desaparece na escuridão de outro cômodo.

A porta fica aberta.

Me levanto. Vou em direção à porta.

Os outros palhaços também não dão a mínima.

O cômodo é tão escuro, não tem como ver seu verdadeiro tamanho. Deve ser enorme.

O palhaço está distante, sentado numa cadeira, no único ponto iluminado do recinto. Ele está de costas para mim.

Vou ao seu encontro.

Lembro de quando meu pai me levou ao circo pela primeira vez.

Minha expectativa era imensa. Nunca tinha visto animais selvagens de perto. Estava lá para ver macacos, leões e elefantes.

Mas, para minha surpresa, acabei me encantando com uma jovem trapezista. Acho que foi minha primeira paixão.

Estou mais perto do palhaço. Percebo que ele está sentado numa cadeira modesta.

A fonte de luz são lampadazinhas fracas em volta do espelho da mesa de pernas finas.

O palhaço começa a tirar a maquiagem. Sua verdadeira pele se revela aos poucos. Ele me olha através do espelho.

São olhos tão familiares.

Um susto. É óbvio, imbecil.

Uma voz feminina me avisa: “Tempo encerrado. Para continuar a sessão, renove seus créditos… “.

ESTRANHA BAHIA: CAMPANHA NA KICKANTE

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Foi dada a largada! A campanha da antologia Estranha Bahia na Kickante começou hoje, 05 de dezembro. Ela vai durar 45 dias. Nesse período, todos os interessados em apoiar o projeto podem contribuir com um determinado valor. Além das edições impressa e digital, o apoiador também pode adquirir recompensas exclusivas, como marcadores de página, camisas e livros.

Mas o que é a antologia Estranha Bahia?

Nossa proposta é editar, de forma pioneira, uma antologia de contos com ambientação na Bahia, nos gêneros terror, fantasia e ficção científica. O projeto conta com sete autores, dentro e fora do Estado. São histórias de maior fôlego, algumas sendo noveletas. As abordagens são bastante variadas. Misturam suspense, drama, policial, comédia, aventura e romance. O objetivo da antologia é mostrar, por meio da ficção, uma Bahia além dos clichês e estereótipos, mas sem esquecer nossa cultura, o jeito de ser baiano.

Nossa campanha pela Kickante não será uma pré-venda. Apenas nossos apoiadores terão nosso belo livro impresso com projeto gráfico baseado nas revistas pulp de terror, fantasia e ficção científica.

Para maiores informações, clique no botão abaixo. E vamos kickar!

 

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