O INFERNO SOMOS NÓS

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Jordan Peele conseguiu de novo. Entregou ao espectador mais um filme de impacto, tanto do ponto de vista estético quanto reflexivo. Em Corra! ele apresentou uma arriscada combinação de filme tenso, mas muito divertido. E se saiu bem desse desafio, criando algo único, a partir de referências inconfundíveis de mestres do cinema do passado.

Em Nós, Peele se arrisca ainda mais, em nome de um objetivo claro: assustar, deixar o espectador em choque. O humor está presente, porém de maneira mais pontual. Nos seus melhores momentos de sátira, as piadas são ótimas. Há uma cena hilária que usa a música Fuck the Police, do N.W.A. Mas, no fim das contas, o que prevalece é o gore e o slasher. O desespero, os gritos, as mutilações, o sangue.

Como diretor, Peele amadureceu. O primeiro terço do filme tem um ritmo impressionante. Praticamente nada acontece, mas o que vemos tem uma fotografia tão elaborada, uma montagem tão cadenciada e diálogos e atuações tão marcantes, que não importa. Acompanhamos o cotidiano da família protagonista com um sorriso besta na cara, sem desejar que nada se apresse. A influência de Hitchcock é evidente, o diretor que construía seus suspenses sofisticados para o público médio como um reflexo apavorante desse mesmo público. E quando a violência começa, nos deparamos com um dos filmes de terror mais criativos e perturbadores dos últimos tempos. Uma mistura de homenagem e subversão ao cinema de horror dos anos 70 e 80.

É realmente revolucionário ver uma família de negros com tamanha personalidade e desenvoltura como protagonistas de um filme importante, que gerou tanta expectativa. Todos os quatro membros da família Wilson tem uma individualidade bem desenvolvida, provocando afetos e tensões entre si . Eles conquistam a empatia da plateia por suas qualidades e falhas. Ao mesmo tempo, os atores também impressionam quando representam seus duplos assassinos, invertendo a experiência do espectador de forma fascinante. Agora a dona do filme é Lupita Nyong´o. Ela arrasa como a mãe que defende sua família a qualquer custo e como seu duplo, uma personagem nada caricata, carregando uma complexidade surpreendente. No gênero do terror, é uma perfomance histórica para uma mulher negra.

Peele revelou em entrevistas que Nós tem uma reflexão bastante específica, como fica evidente no duplo sentido do título em inglês. Mas ele também admitiu que fez um filme com várias camadas, permitindo outros tipos de interpretações. De fato, Nós é bem mais ambíguo, mesmo havendo algumas revelações no final. O filme já está gerando muita discussão sobre seus significados, pelo o que ficamos sabendo e pelo o que é deixado em aberto.

Nós não é perfeito. O filme sofre uma falta de coesão em suas ideias e estrutura narrativa. Mostra certo cansaço no terço final, quando tudo já pareceu resolvido. Peele criou a atmosfera de uma tensa e afiada alegoria sobre o ser humano, olhando para si mesmo e para a sociedade que ajudou a construir. Portanto, seria bem mais desafiador se essa grande metáfora não fosse explicada. Porque muita coisa relacionada à origem dos duplos não faz o menor sentido.

De qualquer maneira, Nós é um filmaço. É algo inédito no cinema em geral, por trazer uma nova perspectiva, uma nova voz, confirmando Jordan Peele como um mestre do terror.

 Nós (Us, 2019), de Jordan Peele, 116 min., Monkeypaw Productions.

 AVALIAÇÃO: RUIM, REGULAR, BOM, MUITO BOM, EXCELENTE

 

CAPITÃ MARVEL, UM FILME DIVERTIDO E INSPIRADOR

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Então vamos lá, sem spoilers. Capitã Marvel é um filme divertido e inspirador. Num mundo onde existe o primeiro Thor, Hulk 2, Homem de Ferro 2 e Era de Ultron, este está longe de ser um dos piores do MCU.

Brie Larson convence como Capitã Marvel/Carol Danvers. Ela tem uma atitude inédita para uma personagem feminina da Marvel no cinema. A confiança dela desestabiliza quem está ao redor. E é isso o que causa a fúria dos haters. Ela está se divertindo fazendo o papel e consegue transmitir essa vibração para a plateia.

Tecnicamente, está tudo impecável, com efeitos especiais muito convincentes. O rejuvenescimento de Samuel L. Jackson e de Clark Gregg está incrível. E a recriação dos anos 90 é outro charme do filme. Há ótimas piadas sobre os perrengues tecnológicos da época.

Infelizmente, os Skrulls e Krees são mal aproveitados. E a Marvel mais uma vez não entrega vilões realmente marcantes. Há um problema de ritmo lá pelo meio. O roteiro tem aqueles furos já esperados de grandes produções. E as cenas de ação não são o melhor do filme, e sim a interação entre os personagens, na comédia (Brie Larson, Samuel L. Jackson, a gata Goose e Ben Mendelsohn são hilários quando as piadas funcionam) e no drama, com destaque para Lashana Lynch, como Maria Rambeau, a piloto melhor amiga de Carol.

O fato é que o filme da Capitã Marvel se tornou a Batalha de Yavin do MCU. Com direito a plot twist gigante, que vai mudar tudo o que pensávamos sobre o futuro desse universo e cena pós-crédito de cair o queixo. O grande desafio agora é saber como vamos continuar conectados a uma super-heroína tão poderosa. 

Capitã Marvel (2019), de Anna Boden e Ryan Fleck, 128 min., Marvel Studios

AVALIAÇÃO: RUIM, REGULAR, BOM, MUITO BOM, EXCELENTE.