AS (IM)POSSIBILIDADES DA COMUNICAÇÃO
A Chegada é um corpo estranho no cinema atual. Um filme com ambição kubrickiana, mas consciente de que também precisa vender pipoca e refrigerante. É uma produção que pode estar de olho no Oscar. Porém, diferente de outros candidatos recentes no gênero da ficção científica (Gravidade, Perdido em Marte), A Chegada se arrisca mais.
Minha expectativa para o filme, de certa maneira, estava comprometida. Eu já tinha lido a novela Story of your life, de Ted Chiang, na qual A Chegada se baseou (recentemente a editora Intrínseca publicou uma coletânea do autor). A grande revelação do filme não foi nenhuma surpresa para mim. Minha curiosidade estava em saber como fariam a adaptação da história de Chiang, por causa de sua estrutura peculiar. E também como tratariam as ideias e discussões científicas.
Posso dizer que A Chegada é uma bela adaptação, fiel na medida do possível. E mesmo quem já leu a novela vai se surpreender com algumas novidades.
Ted Chiang é um dos autores mais cultuados da ficção científica, nos últimos trinta anos. Ele não é um escritor prolífico. Sua obra é focada em contos e novelas. São narrativas muito engenhosas, uma interessante mescla de ficção sedutora e poderosa especulação científica. Por isso, cada história dele ganha um ar de genialidade. Por muitos anos, tentaram adaptar Story of your life para o cinema.
O diretor canadense Denis Villeneuve é um nome ascendente em Hollywood. Conhecido pela extrema segurança ao filmar, pela beleza de suas produções e por provocar o espectador com situações desconfortáveis, questionamentos morais. Alguns o chamam de brilhante, um novo mestre do cinema. Outros de farsa, com domínio técnico demais e ideias de menos.
Em A Chegada, ele provoca o espectador a repensar conceitos, no que talvez seja seu filme mais caloroso. Porque o que vemos aqui é uma melancólica peça de reflexão sobre comunicação e convívio. Na verdade, é um filme otimista. Emocionante, sem ser piegas.
Em relação ao conteúdo científico, as ideias de FC hard da novela foram simplificadas, tornadas mais visuais (afinal estamos falando de cinema). O infodump é mais enxuto e verossímil do que em Interestelar, por exemplo. Não vemos explicações básicas de astrofísica entre cientistas de alto nível. E sim explicações de conceitos um pouco mais complexos entre cientistas de áreas bem diferentes. Aliás, as soluções visuais e sonoras para representar o universo dos heptapods, dos alienígenas, são criativas, de grande impacto, meio lovecraftianas. A trilha sonora deixa tudo ora mais tenso e misterioso, ora mais melancólico e tocante.
A única atuação que realmente se destaca é a de Amy Adams. Ela domina o filme. É um papel exigente, sutil, cheio de nuances e variações emocionais. Não há gritaria nem caras e bocas. Ela foi mais do que convincente.
Um tema central da novela de Chiang é a discussão entre escolha e determinismo. E isso também é um elemento importante em A Chegada. Novela e filme são bons pontos de partida para reflexões sobre as possibilidades de conhecimento, aceitação e mudança de nossas próprias vidas e de uma melhor compreensão do Universo.
A Chegada é bem-sucedido em traduzir, num fenomenal trabalho de montagem, a estrutura menos convencional de Story of your life. Contudo, em certos momentos, o filme peca por fazer concessões um tanto baratas. Não para tornar a história mais acessível. E sim por preguiça mesmo do roteirista. Há algumas explosões e tiros desnecessários. E todo o ritmo acertado, paciente, na interação com os alienígenas se perde numa resolução acelerada, com a grande revelação da trama sendo simplesmente jogada ao espectador.
Alguns podem dizer que o filme é pretensioso. Muita pompa para ideias que não se sustentam. Discordo. A Chegada é um entretenimento visualmente arrojado com substância. Estimula o debate de temas relevantes com honestidade. Já entrou para a lista dos melhores filmes de FC de todos os tempos.
A Chegada (Arrival), de Denis Villeneuve, 116 min., FilmNation e outros.
AVALIAÇÃO: RUIM, REGULAR, BOM , MUITO BOM, EXCELENTE